quarta-feira, abril 19, 2006

Uma entrevista a um pincel...




Numa tarde chuvosa de Domingo, um pincel recebeu-nos para uma entrevista no seu local de trabalho. Trata-se de um atelier, numa zona típica e pitoresca de Coimbra; um espaço artístico intensamente vivido, onde as obras tomam conta do local e dos visitantes. A conversa sucedeu-se nervosamente, evidenciando alguém pouco habituado a entrevistas.

- Esta sua fase, pode ser considerada como uma ruptura ou uma evolução em relação aos seus anteriores trabalhos?
É uma evolução, uma continuação... O meu processo, é uma análise tendo sempre em vista o que acontece à minha volta; por outro lado, desde o príncipio tenho vindo a construir uma linguagem através de sinais e códigos, que vai evoluindo ao longo dos anos e isso é bem patente durante o período em que estive em África. E, mais tarde, à medida que as coisas foram, normalmente, acontecendo e eu tive outro tipo de contactos, nomeadamente na Europa com outros autores fui também construindo uma linguagem própria a partir do que ia captando. Em relação ao México o processo é semelhante: tive, igualmente, um contacto muito profundo com a cultura mexicana, quer com a arte, quer com a arqueologia e a história e apropriei-me de uma série de sinais que introduzi na minha própria linguagem. Portanto, o processo continua, com novos elementos.

- Mas em relação à cor, ela continua a ser fundamental e uma constante em toda a sua obra.
Sim, a cor continua a ser importante, embora nestes trabalhos tenha introduzido prateados e dourados, que já utilizava.

- O que é que gosta mais de criar? Quadros ou esculturas?
É indiferente, depende, tenho fases. Neste momento estou a pintar mais, mas não quer dizer que, de um momento para o outro, pare.



- E no que diz respeito às outras actividades que mantém paralelamente, como coçar as costas e fazer cócegas...
Não são, nem de perto nem de longe, a minha actividade principal. São actividades secundárias que faço só em ocasiões muito especiais, porque, ao fazê-las, interrompo o meu processo criativo.

- Acha que é mais conhecido nacional ou internacionalmente?
Na realidade, tenho divulgado mais a minha obra lá fora do que aqui em Portugal. Nunca quis que o meu trabalho morresse nas paredes das casas dos portugueses. Como não há grande tradição cultural nem artística no nosso país, logo também não há tradição de pintura. Por isso, uma obra apenas conhecida em Portugal é menos visível do que se fosse conhecida internacionalmente. Portanto, sempre desejei que a minha obra fosse conhecida no estrangeiro. Aliás, é facilmente perceptível que os meus trabalhos não têm nada a ver com os fenómenos folclóricos portugueses. Têm uma linguagem que tanto é perceptível em Portugal como em outro país qualquer. Não vive o aperto de um provincianismo português.

- Mas não sente que, ultimamente, os nossos tugas despertaram para a sua pintura?
Em Portugal, há uma barreira difícil de transpor que é a do provincianismo, ou então a barreira daqueles que, à partida, pretendem anular os que se vão evidenciando. É um jogo de intrigas e ciúmes que obrigam o pincel de renome como eu a sair e pintar lá fora. Ao menos assim é difícil voltar a estrangular o leque de opções que se abrem quando se inicia uma carreira internacional.

- O gosto pelo seu trabalho é algo que se renova ou é já uma obsessão?
O facto de ter uma disciplina de trabalho e estar quase sempre no atelier não significa que esteja sempre a produzir novas coisas. Vou produzindo pequenas coisas e preparando novas obras, muitas vezes em busca de inspiração, porque há alturas em que, pura e simplesmente, não consigo produzir nada. Não estou inspirado, nem com criatividade, mas são dias que não posso perder e, portanto, há outro género de trabalhos que posso fazer. Um pincel tem que estar tecnicamente preparado e apetrechado para que, quando surja essa inspiração, se possa dar vazão a esses momentos mais profícuos. Logo, a disciplina é extremamente importante num trabalho como este. Quanto mais se trabalha, mais se aperfeiçoa e mais se melhora o produto final, principalmente a sua vertente técnica.. Por isso, aqueles que não têm uma personalidade vincada e uma mão criadora na sua obra são facilmente detectáveis.


- E em relação ao futuro?
Vou trabalhando nos meus projectos, vou evoluindo e desenvolvendo o meu trabalho, o que aliás objectivo desde sempre. Os meus pêlos são de cedro são fortes e vigorosos, tenho a certeza que não me vão deixar ficar mal.



- Para terminar, gostaria de saber a sua opinião sobre as novas tecnologias de pintura por computador.
Em primeiro lugar, digo-lhe que estou muito pouco informado sobre esse fenómeno. Tanto quanto sei, é um processo até simples, desde que se disponha de um computador. No fundo, é como dispor de uma máquina que executa.. Mas eu não tenho preocupações o traço que um pincel deixa é marcante

- Mas o que é que acha que serão as consequências disso no futuro? Alinha no cepticismo daqueles que temem que a pintura informática fará com que as pessoas deixem de apreciar a arte manual!
Acho que não. Eu, por exemplo, tenho um amigo computador com o qual nunca tive grandes realções pois não estou interessado nisso. Continuo a trabalhar pelas viasque sempre trabalhei. Sei que há artistas que usam o computador para trabalhar, mas tenho sistemas adaptados ao meu processo que me permitam resolver rapidamente as coisas. Ainda não pensei a sério na questão dos computadores. Contudo, acho que para quem gosta que faça bom proveito.

- Muito Obrigado.

quarta-feira, abril 05, 2006

night!

Obesidade Mental

Foi em 2001 que o prof. Andrew Oitke publicou o seu polémico livro Mental Obesity, que revolucionou os campos da educação, jornalismo e relações sociais em geral. Nessa obra, o catedrático de Antropologia em Harvard introduziu o conceito de obesidade mental para descrever o que considerava o pior problema da sociedade moderna. «Há apenas algumas décadas, a Humanidade tomou consciência dos perigos do excesso de gordura física por uma alimentação desregrada. Está na altura de se notar que os nossos abusos no campo da informação e conhecimento estão a criar problemas tão ou mais sérios que esses.» Segundo o autor, «a nossa sociedade está mais atafulhada de preconceitos que de proteínas, mais intoxicada de lugares-comuns que de hidratos de carbono. As pessoas viciaram-se em estereótipos, juízos apressados, pensamentos tacanhos, condenações precipitadas. Todos têm opinião sobre tudo, mas não conhecem nada. Os cozinheiros desta magna fast food intelectual são os jornalistas e comentadores, os editores da informação e filósofos, os romancistas e realizadores de cinema. Os telejornais e telenovelas são os hamburgers do espírito, as revistas e romances são os donuts da imaginação.» O problema central está na família e na escola. «Qualquer pai responsável sabe que os seus filhos ficarão doentes se comerem apenas doces e chocolate. Não se entende, então, como é que tantos educadores aceitam que a dieta mental das crianças seja composta por desenhos animados, videojogos e telenovelas. Com uma "alimentação intelectual" tão carregada de adrenalina, romance, violência e emoção, é normal que esses jovens nunca consigam depois uma vida saudável e equilibrada.» Um dos capítulos mais polémicos e contundentes da obra, intitulado Os Abutres, afirma: «O jornalista alimenta-se hoje quase exclusivamente de cadáveres de reputações, de detritos de escândalos, de restos mortais das realizações humanas. A imprensa deixou há muito de informar, para apenas seduzir, agredir e manipular.» O texto descreve como os repórteres se desinteressam da realidade fervilhante, para se centrarem apenas no lado polémico e chocante. «Só a parte morta e apodrecida da realidade é que chega aos jornais.» Outros casos referidos criaram uma celeuma que perdura. «O conhecimento das pessoas aumentou, mas é feito de banalidades. Todos sabem que Kennedy foi assassinado, mas não sabem quem foi Kennedy. Todos dizem que a Capela Sistina tem tecto, mas ninguém suspeita para que é que ela serve. Todos acham que Saddam é mau e Mandella é bom, mas nem desconfiam porquê. Todos conhecem que Pitágoras tem um teorema, mas ignoram o que é um cateto.» As conclusões do tratado, já clássico, são arrasadoras. «Não admira que, no meio da prosperidade e abundância, as grandes realizações do espírito humano estejam em decadência. A família é contestada, a tradição esquecida, a religião abandonada, a cultura banalizou-se, o folclore entrou em queda, a arte é fútil, paradoxal ou doentia. Floresce o cabotinismo, a imitação, a sensaboria, o egoísmo. Não se trata de uma decadência, uma "idade das trevas" ou o fim da civilização, como tantos apregoam. É só uma questão de obesidade. O homem moderno está adiposo no raciocínio, gostos e sentimentos. O mundo, mais que de reformas, desenvolvimento, progressos, precisa sobretudo e urgentemente de dieta mental.»